Cercada
de mistérios, a hipnose ainda é vista com olhos tortos por muitas
pessoas. Talvez por seu passado obscuro, ligado ao curandeirismo e a
rituais mágicos tão antigos quanto a humanidade. Poucos sabem, no
entanto, que se trata de uma prática reconhecida pelo Conselho
Federal de Medicina como ferramenta de apoio ao diagnóstico e
tratamento médico desde o fim da década de 90. E, como tal, de
mística ela não tem nada.
HISTÓRIA
DA HIPNOSE
Apesar
da origem incerta, acredita-se que a hipnose exista desde o Egito
antigo. Naquela época, a prática ocorria nos chamados templos do
sono, onde os atendidos entravam em um estado chamado de "sono
mágico" e do qual supostamente acordariam curados de seus males
físicos.
O
ritual era cercado de cantos e danças conduzidos por sacerdotes.
Maias, astecas, persas e gregos tinham práticas semelhantes.
O
emprego da hipnose na medicina começou com Anton Mesmer, no século
18. Para ele, a doença era criada por uma sugestão do organismo e
podia ser solucionada com a transmissão de ondas magnéticas de uma
pessoa para outra.
Em
suas sessões, ele usava imãs e outros objetos para colocar o
paciente em um suposto estado de sono que levaria à cura. Até
então, a prática era chamada de mesmerismo.
O
termo hipnotismo foi cunhado pelo cirurgião e oftalmologista escocês
James Braid, no século 19, ao utilizar a palavra 'hypnos', que em
grego significa sono, para definir o estado em que a pessoa entrava.
Braid
rejeitou a existência de fluídos magnéticos e acreditava que era o
cansaço dos músculos dos olhos ao se fixarem em um único ponto o
que levava a pessoa ao estado de transe.
A
hipnose conhecida hoje foi desenvolvida pelo psiquiatra Milton
Erickson, fundador da Sociedade Americana de Hipnose Clínica, no
século 20. Foi ele quem criou algumas das técnicas modernas de
indução, que usam apenas a voz.
MAIS
SOBRE HIPNOSE
A
hipnose nada mais é do que um mecanismo mental, totalmente
explicável pela ciência. Entrar em estado hipnótico é algo
fisiológico, natural do organismo, que experimentamos várias vezes
ao dia. "Entramos e saímos toda hora de estados de hipnose,
pois não conseguimos ficar focados em algo o tempo todo".
Na
terapia da hipnose, a pessoa não fica "inconsciente", como
se acredita; ela apenas tem seu senso crítico diminuído e, com
isso, fica mais aberta às sugestões dadas pelo médico.
Quando
dizem que você está "viajando", focalizado em algo a
ponto de nem escutar quando te chamam, você está, na verdade, em
uma espécie de hipnose. Mesmo presente, sua concentração é
tamanha que tudo em volta acaba sendo bloqueado da percepção. É
como se sonhasse acordado.
"Quando
estamos concentrados em uma tarefa e não percebemos o tempo passar
ou o que acontece ao redor, estamos em um processo hipnótico, pois a
mente esta focada naquela ação e, com isso, as outras atividades
deixam de ser prioritárias e passam despercebidas".
Ninguém
sai do corpo, "voa" para longe ou fica fora de si quando é
hipnotizado. "Ela não é igual ao sono. É um estado alterado
de consciência, mas que mantém a pessoa presente. Por isso, ela não
‘volta’ de lugar algum, porque na verdade ela não foi".
Nesses
estados hipnóticos ocorre o bloqueio parcial da ação da mente
consciente. "O senso crítico, que controla tudo o que você
faz, fica diminuído, mas a consciência continua ativa".
O
que a hipnose como prática médica faz é levar o paciente a esse
mesmo estado mental, mas de forma coordenada, por meio da indução
hipnótica. Isso permite que sugestões dadas pelo terapeuta sejam
aceitas com maior facilidade. "Usamos estratégias de
comunicação que levam a pessoa a entrar neste estado modificado de
consciência. E, com isso, se você está bebendo um copo de água e
eu falo para você que é suco, a mente ‘aceita’ a sugestão e
sente como se fosse um suco".
Confiança
O
primeiro passo para conseguir essa hipnose coordenada é o chamado
rapport, que pode ser definido como um laço de confiança entre o
terapeuta e o paciente, que poderá se soltar a ponto de ser
conduzido em sua viagem hipnótica. "Todo o processo é muito
mais uma processo de auto-hipnose, porque se a pessoa não quiser,
ninguém conseguirá fazê-la entrar neste estado. Ela se coloca
disponível, e o médico torna-se apenas um instrumento".
O
rapport depende, além da suscetibilidade do paciente, da comunicação
do terapeuta. "É preciso ser bom de papo, agradável, ter
percepção. Sem isso, a hipnose não acontece". "Não é
só deitá-lo em uma poltrona e dar sugestões. Quando ele entra no
consultório, faço uma leitura não verbal, escuto, faço perguntas.
Há todo um envolvimento emocional".
A
capacidade de entrar em transe hipnótico tem uma grande ligação
com a capacidade de abstração. "É a mesma genética que dá o
dom artístico, musical, poético. São pessoas que têm maior
facilidade em usar a imaginação". Quem é muito racional, em
geral, encontra mais dificuldade em abrir mão do controle e de se
deixar levar pela hipnose.
Para
saber se está neste grupo, sugiro um teste simples: feche os olhos e
imagine que o ar do ambiente está muito seco. Quando respira, ele
ressaca totalmente a mucosa do seu nariz. Fique alguns segundos
imaginando isto. Abra os olhos e preste atenção. Se perceber que
algo mudou em seu nariz, mesmo que de forma sutil, você é uma
pessoa mais suscetível à hipnose.
Aplicações
médicas
A
hipnose é usada hoje por alguns dentistas como um anestésico
natural, em pacientes que têm medo de tratamentos e cirurgias
dentárias. A prática já é reconhecida como ferramenta clínica em
odontologia desde 1993. Por meio dela, o dentista consegue levar o
paciente a um estado de entorpecimento (analgesia) ou perda completa
da sensação de dor (anestesia).
Outra
aplicação da hipnose está no tratamento de problemas musculares e
ósseos, como os de coluna, trazendo alívio da dor. Em 2010, a
prática foi oficialmente aprovada pelo Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional para ser usada em tratamentos da
área.
É
na área de psicologia que a hipnose tem encontrado sua seara mais
fértil. Apesar de usada desde os tempos de Freud, o pai da
psicanálise, apenas no ano 2000 o Conselho Federal de Psicologia
reconheceu o uso da prática em tratamentos da área.
Atualmente,
ela costuma vir associada a um trabalho terapêutico, como um
instrumento de apoio que permite acessar emoções e informações
que de outras formas seriam quase impossíveis. Não é recomendável
se submeter a sessões de hipnose com profissionais não habilitados.
Na
terapia, o paciente é estimulado a lembrar detalhes de histórias e
emoções do passado que foram total ou parcialmente esquecidas ou
até mesmo bloqueadas pela mente. Algumas delas podem ser a chave
para resolver traumas, fobias e problemas do presente. "Nós
temos as imagens gravadas, a nossa vida toda em nossa mente. São
situações e emoções que você esqueceu porque ficaram armazenadas
na memória profunda, no inconsciente. Eu, como terapeuta hipnótico,
consigo induzi-lo a trazer de volta essas lembranças, revê-las,
para ajudá-lo a entender o que se passa hoje".
Mas
não é apenas em lembranças que a hipnoterapia se baseia. O médico
pode, durante o transe, trabalhar apenas em oferecer sugestões de
comportamento, posturas e ideias ao paciente, para que ele modifique
aspectos de sua vida, mais ou menos como fazem os psicólogos. A
diferença é que a sugestão é muito mais facilmente aceita e com
bem menos resistência durante a hipnose devido ao senso crítico
diminuído.
Em
todos os casos, para que o tratamento seja eficaz é preciso fugir da
passividade e entender que o terapeuta sozinho não resolverá seus
problemas. "Muitos acham que vão ser hipnotizados e vão mudar
completamente. Aí se desiludem, pois percebem que terão de ser
proativos. Não existe mágica, milagre", fala.
ESTRESSE
SOB CONTROLE
A
hipnose também tem sido usada com grande eficácia em pacientes
estressados e tem ajudado pessoas em situações de ansiedade e
apreensão a se sentirem mais relaxadas, como antes de cirurgias
Os
terapeutas trabalham em cima de duas variáveis nestes casos:
aumentar o nível de tolerância do paciente para fazer com que
suporte mais tensões sem se abalar ou procurando descobrir a origem
do problema para ajudá-lo a diminuir o nível do estresse
"Na
hipnose consigo dar sugestões para que ele altere essas posturas. Se
forem bem colocadas, ele consegue modificar a forma de viver as
situações", conta
Para
essas aplicações, a auto-hipnose também tem sido bastante efetiva.
Essa técnica permite gerenciar, por meio da autossugestão,
juntamente com técnicas de relaxamento e meditação, o estresse a
ansiedade
Possibilita,
ainda, diminuir dores como as da cólica menstrual e de cabeça. "Mas
vale lembrar que nestes casos há apenas um controle dos sintomas e
não sua eliminação por completo, pois isto poderia mascarar
doenças mais graves", lembrando que a prática é defendida
pelo Conselho Federal de Medicina.
Regressão
Durante
as sessões, o paciente pode não apenas se lembrar, mas também
reviver uma história do passado como se ela estivesse acontecendo de
novo. É o fenômeno chamado de regressão, e que causa tanto medo em
algumas pessoas. Ao entrar nessas lembranças espontaneamente ou por
solicitação do terapeuta, o paciente pode passar a se comportar
como se tivesse a idade que tinha à época.
"Ela
revê a história como se estivesse acontecendo hoje. Pode se
envolver tanto a ponto de escrever, falar como se tivesse a idade em
questão. Há pessoas que revivem situações de quando eram bebês,
então, não falam, só gesticulam".
A
aplicação da regressão tem as mais variadas funções. "Se
você teve um trauma na infância, posso fazê-lo voltar a ele, lidar
com as emoções no momento do trauma, já que o estará revivendo, e
mudar o que sentiu".
Assim
como é possível regredir, o terapeuta também pode sugerir uma
progressão da idade, pedindo ao paciente que se veja no futuro
desejado e tente entender o que deve fazer para atingir seus
objetivos.
O
tratamento pode ser feito em qualquer situação que possa ter algum
fundo emocional. São problemas como anorexia, bulimia, insônia,
insegurança, timidez, baixa autoestima, impotência e outros
problemas sexuais, ansiedade, depressão e síndromes, como a do
pânico. É eficaz também no combate a alguns vícios, como o
tabagismo e o alcoolismo.
A
duração da hipnoterapia varia de pessoa para pessoa, mas, em geral,
o indicado é pelo menos uma sessão semanal, com duração de uma
hora, por cerca de três meses.
Medo
infundado
Para
quem tem certo receio da hipnose, os especialistas contam que tudo
acontece naturalmente durante a sessão, como em uma terapia comum.
Por meio da conversa, o médico conduz o paciente a um estado de
vigília e relaxamento profundo, captando a sua atenção e inibindo
a ação do consciente.
Em
seguida, apenas com o uso da voz em um tom monótono e rítmico, ele
o induz a entrar no transe. Durante a hipnose, o paciente pode perder
a noção do tempo e de passado e presente.
O
despertar é iniciado com uma ordem de que, ao contar
progressivamente até um determinado número, a pessoa vai acordar.
E
para quem tem medo de não voltar do transe hipnótico, os
especialistas são categóricos ao afirmar que isso não passa de um
mito. O que pode acontecer, em alguns casos, é o paciente mergulhar
tão fundo em uma determinada lembrança e não aceitar a sugestão
de sair do transe. Nestes casos, o terapeuta o deixa por algum tempo
neste estado, que naturalmente o processo hipnótico se transforma em
sono de verdade e ele acorda.
A
hipnose para incrementar prazer sexual.
Uma
técnica conhecida como hipnose erótica parece estar se
popularizando como ferramenta para induzir experiências sensuais e
ajudar pessoas com disfunções sexuais.
Sem
o uso de clichês, como um relógio balançando ou alguém dizendo
"você está se sentindo cansado", a técnica é utilizada
para obter algo próximo de uma experiência sexual sem contato
físico.
"A
hipnose erótica está na moda agora, e vemos isso pelo interesse que
vem despertando em publicações especializadas ou na mídia",
afirmou à BBC.
O
famoso relógio usado para hipnotizar nada mais é que ficção. Na
verdade, a técnica é uma modalidade comunicacional em que o
profissional, por meio da palavra, leva a pessoa a um estado de
meditação profunda, aumentando sua capacidade de percepção.
"Mas
a pessoa sabe permanentemente quem é e nunca perde a consciência".
Para
ele, na clínica onde trabalha, o uso da hipnose não tem como
objetivo aumentar o estímulo erótico, mas sim ajudar a quem sofre
de disfunções sexuais.
"A
pessoa é guiada, e a ela é proposto que faça um relato erótico
por meio de um estado de distensão em que ela está mais receptiva”.
Isto faz com que a pessoa se abra mais em relação a aspectos que
ficam reprimidos quando está em vigília.
Quando
uma paciente que sofre de anorgasmia (inibição do orgasmo) está em
relaxamento profundo, ela possivelmente comentará sobre temas sem
relação direta com sexo, que a permitiriam reviver as etapas do
encontro sexual de maneira metafórica, levando a uma mudança no
comportamento.
Já
se o caso é de um homem com disfunção erétil, o especialista
busca evocar momentos de satisfação e lembranças de experiências
prazerosas para que, no estado de hipnose, a pessoa volte a se sentir
capaz e reduza sua angústia.
"Ela
pode ser usada, mas alternada com outros procedimentos que fazem
parte da terapia sexual", afirmou.
"Depende
muito também da habilidade do profissional e da capacidade de reação
do paciente.
À
primeira vista, é difícil determinar se uma pessoa está em um
estado de meditação profunda qualificada como hipnose. Para
constatar isto, especialistas defendem que se faça uma tomografia de
emissão de pósitrons - antipartícula do elétron - para medir os
fluxos sanguíneos no córtex cerebral.
Existe
grande oferta de livros e vídeos, principalmente nos Estados Unidos,
para que a pessoa entre em hipnose erótica sozinha. Especialistas
não recomendam isto, além de criticar as clínicas que operam esta
técnica sem a presença de médicos.
O
indivíduo pode começar a preferir a experiência sexual com hipnose
e não a realizada com outra pessoa. "Se vejo que a pessoa tem
fortes rasgos de narcisismo, o mais provável é que adquira um
vício, como se fosse uma droga".